terça-feira, 3 de julho de 2018

O sol está em câncer

Hoje começa meu inferno astral. Mil palavras passam em minha mente e o máximo que eu consigo é chorar e permanecer calada. O maior pecado que eu já cometi foi amar demais, amar quem não podia ser amado, amar quem não precisava do meu amor. Essa é a base de todos os meus erros e das minhas virtudes. Todas as paixões passam, por mais que pareçam durante anos que não vão passar. Elas acabam, ficam se acabando sem nunca se acabar por muito tempo, mas quando somem, somem mesmo e a gente ri. A gente olha todas as noites em claro, todas as músicas sofridas dedicadamente, todas as mensagens vãs pra puxar qualquer assunto, só pra dizer outra coisa enquanto o que a gente queria dizer era um gemido gostoso sentando no seu pau. Quem fica, quem vai e quem se encontra na próxima esquina é uma matemática que só as deusas e deuses entendem.

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Esse ensurdecedor silêncio da madrugada


Há um silêncio áspero característico das frias madrugadas paulistanas, que permeia o quarto e envolve meu corpo em solidão. Saltam vozes em minha mente dizendo tudo que eu não queria ouvir e nada que eu não soubesse, certamente esqueci, mas é certo que ainda sei dessas coisas, verdades incomodas, só agora as escuto, depois que tudo foi calado: a TV da vizinha, celular, liquidifiador, a vitrola, tua voz ausente. De tão áspero, o silêncio arranha minha alma que arde revelada.
Remotos latidos graves de velhos cães presos na eterna vigília por seus donos, distantes, ríspidos e velozes motores e rodas pesam sobre o asfalto. Em algum lugar além, o apito do guardinha, um alarme disparou, um ruído intermitente agudo evita que o silêncio me desnude e me devore de vez.
Uma madrugada fria não é uma tragédia quando sinto seu corpo encaixado no meu sobre a cama macia e sob as quentes cobertas. Você me aquece. Não ouço o quão profundo e atordoante é o silêncio da madrugada. Esse silêncio ensurdecedor, que me dá vontade de fumar, de comer, de escrever, porque não dá pra estar no mesmo lugar em vigília, que este ente, o silêncio da noite, sem que ele revolte nossos fantasmas delirantes ou torne clara nossa incapacidade e fragilidade diante de nós mesmos. Ao seu lado o sono vem me acalentar, e suas juras de amor tornam leve e simples meu viver. Evita que eu entre em contato com uma parte de mim que escreve e escreve e escreve. Isso é ruim, porque se não escrevo, como virei a tornar-me uma grande escritora, reconhecida por minha grande obra, se não houver obra? Isso é bom, porque esse silêncio é denso e pesado, é escuro e gélido, de textura viscosa, tal como um remédio amargo enfiado guela abaixo pela madrasta enquanto você engole o choro, é um pântano cheio de criaturas vis, coberto por névoa, inteiro de puro lodo.
Esse texto é pra dizer que você tem que voltar logo. Pra me amar bem gostoso, pra que eu acorde rindo manhosa querendo dormir mais um pouquinho agarrada em ti, meu macio. Larga mão dessa floresta, destes vagalumes, índias, rios, cantos e danças populares pra voltar e me salvar desse silêncio infinito que faz zumbir meus ouvidos e sucumbir meu corpo. É imperativo: meu corpo desaprendeu a ser feliz sem a presença do seu. No fundo eu sei que todo esse silêncio não é para que eu escreva, nem para que eu visite os porões da alma, é só pra me mostrar que a melhor música é escutar seu assobio no portão avisando que você voltou de longe, de muito longe, só pra me salvar.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

São Paulo, Cosmorama, a plenitude e o vazio.

Dizem que a gente só toma coragem pra mudar quando a dor da mudança é menor que a dor de permanecer no mesmo lugar.

Como ferrugem na alma, era corroída lentamente por aquelas ruas vazias e caladas sob o sol escaldante, que vertiginosamente embaçava a visão do horizonte e turvava o rio caudaloso dos meus pensamentos, que sentiam raiva, pequenez, solidão. Estou vagando pelo deserto em busca de um Oásis, eu pensava, e depois de muito refletir e repensar, fui embora antes da chegada da primavera, fui pra cidade grande, cidade mais grande que já vi, grande demais pra poder conhecer, grande demais pra poder entender. Fui pra São Paulo levando nas malas, roupas, livros e um coração aberto pra amar, um corpo aberto pra casar e me tornar tudo aquilo que eu queria ser.

São Paulo me acolheu como uma mãe, coisa que eu achava que cidade grande não fazia, meu amor me acolheu com paixão e cuidado e eu deslumbrei-me a cada esquina, a cada menina bem-vestida que passava, as vitrines, os senhores esperando o sinal abrir na calçada com seu ar sério e intelectual, ternos, celulares, restaurantes e cafés, carros, carros e mais carros e eu andando a pé... Ainda com o passo lento, porém atento, observando a pressa, a angústia, a ansiedade destas pessoas traduzida em mil cigarros. Como gostam de fumaça? De cinza, de asfalto, de concreto, de alturas, de dinheiro. Tudo acontece aqui e agora o tempo todo, tudo, um amontoado de coisas. Das mais lindas, criativas e fantásticas às mais vis e cruéis. Quero estar em tudo, quero me juntar à todos! Coletivos, ativistas! Quero plantar flores e abraçar as pessoas no metrô. São Paulo desperta desejos, provoca ilusões, faz eu querer o que eu não preciso só porque é bonito, caro e brilha, faz eu esquecer do que é importante, por não estar logo ali adiante. São Paulo é luxo e lixo abundante, é tudo, tudo, é a integridade dos opostos, é a plenitude, por mais que pareça que não.

Dois meses imersa nesta capital, precisei voltar pra Cosmorama, minha alma pediu, meu corpo me levou.
Em busca do equilíbrio, fui do cheio ao vácuo, da plenitude ao vazio.
Havia me esquecido, e como é bom esquecer...

O céu aqui é tão azul e o sol tão forte que posso sentir o contato dos raios na pele, os olhos ardendo e a sede constante, as ruas tranquilas, quase vazias, as pessoas caminham suave porém com olhos cerrados, a testa franzida e os ombros curvados, aparentando fardos pesados e irremediáveis. Ao meio-dia o silêncio é perene, entrecortado levemente pelo som do vento farfalhando as árvores e dos talheres nas mesas das casas que sobressai ao som dos motores dos automóveis. Não ouço buzinas, pouco ouço os automóveis. Ouço murmúrios, conversas de pessoas e latidos de cães. Caminho sozinha por algum tempo, a solidão invade meu ser, esta solidão de realmente peregrinar sozinho, sem encontrar ninguém pelo caminho. Posso ver o horizonte distante, não há obstáculos, obstruções, tudo aberto, a liberdade canta, pássaros voam. Há cana, cana e mais cana, coitada da cana, pobre planta escravizada pelo homem, podia haver agroflorestas, mas só há monocultura. Cosmorama também precisa de cura, como São Paulo, como o planeta, como nós, como eu. Cosmorama me cura, como São Paulo, como o planeta, como nós juntos, como o cheiro da minha avó, o riso de mãe, do pai, do irmão e o calor do meu amor.

Em São Paulo a plenitude me sustenta, em Cosmorama o vazio me nutre e assim encontro a integridade. Do campo e da cidade. Por fora e por dentro do meu coração.


Foto: Joel Silva, 2012, chácara, Cosmorama.

domingo, 25 de agosto de 2013

A leveza da mudança e o peso de ficar no mesmo lugar.

Fui abrindo os armários, as gavetas, caixas, folheando alguns livros e cadernos e me vi do avesso, aberta, virada. Talvez essa mudança seja mais interna que externa. Cada roupa do armário que eu escolho deixar ou levar é uma identidade que eu escolho ser ou não ser, assim como os livros que eu escolho não mais ler e os acessórios que eu prefiro não mais usar.
Não querer mais estes sapatos é afirmar que escolho não mais pisar nesta calçada, nem querer este caminho.
Eu posso escolher, sim, eu posso escolher qualquer coisa neste vasto mundo e eu escolho me libertar deste medo da escassez e do fracasso arraigado tão forte em meu corpo e em minha mente, construído historicamente por esta sociedade hipócrita, que não acredita no seu poder criativo e resiliente e escolhe repetir as mesmas coisas dentro de uma zona de conforto onde a ilusão de controle do ego prevalece sobre todas as coisas.
Não, eu não tenho controle nenhum, apenas vou amar, vou cuidar de mim e dos outros, especialmente do meu grande amor que alavancou esse movimento, vou estar presente com firmeza e leveza e dar o meu melhor ao mundo, confiando que assim o mundo responderá com o seu melhor, que é como vem sendo, sou grata por todas as minhas relações, apoio, troca e confiança, assim somos rede, assim somos Um.
Quantos fardos pesados que não são meus andei carregando? Quanta culpa... Quantas expectativas frustradas! Todas as vezes que eu quis ficar dormindo, levantei e não acordei alguém escolheu meu sonho por mim, alguém fez meu dia por mim. Aceitei passivamente tentando manter a equanimidade, mas chorei feito louca no escuro do quarto. Foi tão bom estar aqui estes dois anos, pena que eu não estive. Vivi partida entre várias cidades, com pés em uma, cabeça em outra, coração distante. Vou me mudar, mas desta vez eu vou levar todas de mim pro mesmo lugar. Honro toda essa vivência de aprendizado profundo que meu trabalho aqui me proporcionou, assim como a convivência com minha família, a chácara e sua pureza selvagem, meus ancestrais e a arte do cuidar e de contar histórias, mãe e pai, vovó e irmão tão idêntico a mim que poderia chamar de eu. Fui muito feliz, é claro, sempre fui e não deixarei de ser e justo por isso é hora de desapegar do que já não serve mais e deixar o novo entrar, não se preocupar tanto com o futuro, apenas mergulhar no agora, escutando um claro e doce chamado do coração.


"Quando você olha para um campo de dentes-de-leão você pode ver uma centena de sementes ou uma centena de desejos."


segunda-feira, 17 de junho de 2013

Primavera Brasileira, a Grande Virada.

I. A afirmação da nossa opção pela Vida


Eu vos digo que esse movimento mágico que estamos vivendo é porque depois de um longo período de gestação, vamos nascer e optar pela vida.

Quando for hoje pras ruas, não olhem apenas para frente tentando ver a polícia que os reprime, mantenham-se atentos sim, porém olhem para todos os lados, para todos estes rostos, olhe nos olhos das pessoas que estão ao seu redor e sorria para elas... Essa revolução não é sobre O QUE, é sobre COMO, COMO poderemos realmente mudar o que não faz sentido? Essa revolução tem que envolver o amor, a união, a paz, a compaixão e o respeito pela vida do outro independente de quem ele seja e o que tenha feito... Afinal, somos múltiplos, somos rede, mas todos somos Um e será incluindo e acolhendo o outro e sua condição de forma compreensiva e não determinada por julgamentos de valores que será possível transcender a condição de mediocridade, escravidão e insatisfação da qual nossas almas e mentes estão prisioneiras.

O que está acabando simbolicamente hoje no Brasil (e também no mundo) é um paradigma de séculos, que originou um modelo de organização social fundado na desigualdade, no poder centralizado, em um confronto entre opostos que sempre culmina na exclusão, psicologicamente imerso na culpa, no medo e no não reconhecimento da responsabilidade pelo que é comum.
Há um fenômeno que vem sido discutido por inúmeros mestres ao redor do mundo chamado "The Great Turning", "A Grande Virada" da nossa sociedade de consumo, pautada no medo da escassez e na competição, pra uma sociedade que satisfaz suas necessidades, cuidando da sustentação da vida e reconhecendo a abundância existente na diversidade e no poder da cooperação.

Não aceitarmos ser reféns de R$0,20 de aumento no preço dos transportes significa não aceitarmos mais vivermos em uma sociedade cuja principal fonte energética é o petróleo. Não, o petróleo não é um inimigo, o inimigo são as grandes corporações que se declararam proprietárias dos recursos naturais deste planeta e incitaram todos nós à consumir desenfreadamente e exaurir inúmeros recursos que já começam a nos faltar. Ocupar as ruas e andar a pé, significa dizer que estamos revendo nosso conceito de cidades, de que as ruas não são feitas só para os carros, mas também para pessoas. Ocupar os espaços públicos significa que estamos reconhecendo a Terra como nossa, de todos e não de alguns. Significa que estamos recuperando nossa auto-estima, que estamos distribuindo o poder e também o pão e multiplicando assim, as belezas desse mundo. Vamos nos organizar ao redor de causas e propósitos e não ao redor de líderes políticos. Nunca em toda história da humanidade houve tanto conhecimento técnico e informação, o que nos permite solucionar todos esses problemas que estamos enfrentando e mudar a realidade, através de coragem, criatividade e confiança.

O sistema é mais frágil do que se imagina, seu funcionamento depende de nossas escolhas. Nem sempre é fácil escolher sair da zona de conforto, mas quando muitos se erguem, o peso do fardo fica mais leve para todos. O poder circula e senti-lo entre as mãos e segurar firme outras mãos é o que tecerá uma rede de extraordinária beleza, está nascendo um mundo melhor para todos.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Rei que veio do sul me apontar um norte.


Era setembro, a Primavera despertava a natureza, o espírito das plantas e dos corações.

Jamais pude imaginar tamanho desejo.

Jamais pude imaginar.

Depois que você se foi por aquela rua vazia, um aperto invadiu-me o peito, vontade de correr atrás de ti, de fechar os olhos e chorar, deitada naquela cama estranha de um hotel vagabundo. Que venham mais seis mil noites em vagabundos hotéis e nem a presença das baratas me faz duvidar da pureza e da beleza de nossa união.
Eu sempre sonhei contigo, mas por agora deixei de sonhar, pois só aparece em meus sonhos quem mora nas sombras, e você mora na luz.
- Do que você tem medo, morena? Eu tô aqui, eu sou real.
Quem é real, é rei. Rei que veio do sul me apontar um norte.

Surreal... Eram nossos corpos estendidos naquela cama e as paredes derretendo, o teto se abrindo e as nuvens no céu furta-cor se moviam em velocidade incalculável e da Terra eu só via tudo tingido de púrpura se alaranjando e tons de anil surgindo, porque era você, era você meu par de outras eras, era você o cigano viajante, de coração fervoroso e carne crua, os ruivos pelos de sua barba me espetavam a face avivando sensações profundas e encontrava uma fração de todos os mistérios estampada em sua íris. Intrigava-me sua pupila contraindo e dilatando conforme eu lhe lançava amor, porque o amor é uma luz que entra primeiro pelos olhos, o amor é uma vibração cuja força esculpe as palavras, formando-lhe o corpo delgado dos poemas. Peço-lhe que desculpe minhas palavras sobre desmedidos sentimentos, elas só querem te convencer a ficar, ficar na minha vida noite, dia, depois dias e noites uma após a outra. Eu só posso te dizer que me esforço na escuridão pra fazer com que jamais nenhum dia seja igual e eu possa surpreendê-lo a cada manhã, com a força de meus deuses, engolindo espadas e cuspindo gozo pelos nossos lençóis.
Você, que eu ainda não conheci, mas já sei quem é.
Você pobre mortal, grande guerreiro, honrado cavaleiro, cuja história homens antigos contam, foi aclamado imperador em praça pública por todos aqueles pecadores que buscou libertar, usando como arma sua alegria de fogo. Você que veio, cheio de coragem desbravar minhas terras, num tempo de estiagem, trouxe a chuva e o esterco pra fazer brotar o seco e velho campo. Você transpôs todos os outros em belezas, caprichos, nego, zelou em compromisso, em desejo, tornando-se a fonte de minha inspiração, meu amor. Farei jejum de todos os outros pratos pois tenho a liberdade de escolher só você agora. André. Digo seu nome sem vergonha e sem medo, para que todos os outros saibam que meu coração é seu como jamais foi de outrém.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Filhas do Acaso e da Ilusão

Então os Amores acabam. Continuam se acabando até nunca terminar de se acabar...

Então as Paixões nascem, crescem e morrem. Tudo graças ao amor de seu pai Acaso e sua mãe Ilusão.

Após nascerem, as Paixões aumentam de tamanho e fervem, fervem até secar, depois tendem a esfarelar transformando-se em pó cintilante de asa de borboleta e pólen de flor. Não há lei regulamentada, nem punição formal para aqueles que deixam as Paixões que fervem agonizar no deserto da solidão! Mesmo assim, fica este condenado ao infortúnio, sob a pena do desalento por mais de uma estação (os cárceres da alma estão sempre cheios no inverno). Uma Paixão tem que aguar sempre, com chuva, cachoeira e água de coco. Vive distraída, machuca sem querer e ferida de Paixão cura com unguento de saliva e óleo de suor. Se a poeira assenta, tem que ter cuidado ao limpar: ela risca e desafina muito fácil, são como os discos de vitrola. Toda Paixão gosta de ganhar palavras de presente, ainda mais quando estas são de apreço e devoção. As Paixões não suportam a Paciência, acham-na enfadonha e buscam ficar distantes dela, a única amiga em comum entre elas é a Esperança. A Loucura e o Desejo é um casal bem liberal companheiro das Paixões, estão sempre juntos promovendo festinhas à fantasia e encontros entusiasmados de contato e improvisação.



*Ilustração de Remedios Varo